Perspetivas de estudantes sobre o prácticum em educação pré-escolar
Trabajo Nº:RES0031
Tipo:Oral
Tema:Narrativas de estudiantes con reflexión sobre lo vivido y aprovechado de su experiencia en las prácticas
Autores: Dulce Noronha e Sousa
Instituto de Estudos Superiores de Fafe (Escola Superior de Educação)
dulcenoronha@iesfafe.pt

Cristina Cruz Mateus
Instituto de Estudos Superiores de Fafe (Escola Superior de Educação)
cristinamateus@iesfafe.pt


Iris M. Oliveira
Instituto de Estudos Superiores de Fafe (Escola Superior de Educação)
irisoliveira@iesfafe.pt

Paula Barroso
Instituto de Estudos Superiores de Fafe (Escola Superior de Educação)
paulabarroso@iesfafe.pt
Keywords:Educação de infância; Prácticum; Profissionalidade; Desenvolvimento de carreira.
INTRODUCCIÓN

De acordo com um modelo integrado da formação de docentes, privilegiam-se oportunidades de articulação entre a literatura científica e a prática profissional (Formosinho, 1986). Neste modelo, o estágio/prácticum assume especial importância e espera-se que os(as) docentes mobilizem o seu papel ativo na problematização da intervenção educativa e na construção de saberes sobre e para as práticas, investindo na sua contínua atualização de conhecimentos e reflexividade (Freire, 2002; Neves, 2007). A operacionalização do modelo integrado da formação de docentes torna-se ainda mais necessária face à natureza veloz, instável, global, tecnológica e multicultural da sociedade contemporânea (Mateus & Noronha-Sousa, 2016). Com efeito, a sociedade contemporânea exige profissionais de educação dotados(as) de competências específicas ou hard skills (e.g., didática, conhecimento do currículo)e de competências genéricas ou soft skills (e.g., empatia, autorregulação emocional), capazes de abraçar a complexidade e a transversalidade de conhecimentos, de se adaptar ao imprevisto e de implementar práticas educativas coerentes com a literatura científica, as especificidades da infância e as idiossincrasias da criança (Gomes & Pereira, 2008; Noronha-Sousa & Mateus, 2017; Sarmento, 2016; Schulman, 2005).

Neste enquadramento, é possível conceber o prácticum e as competências investigativas como elementos articulados e centrais à formação de docentes. Por um lado, ao longo da formação inicial, importa criar oportunidades de contacto com diversos contextos de atuação profissional, que permitam compreender a dinâmica mútua teoria-prática, aportá-la na intencionalidade educativa, interagir com crianças e agentes educativos, assim como reconhecer a pertinência do trabalho colaborativo (Araújo & Antunes, 2018; Craveiro, 2016). Por outro lado, é necessário capacitar os(as) futuros(as) docentes para investigar sobre e para a prática profissional, enquanto agentes de construção de novos saberes práticos e de reconfigurações das práticas docentes (Martins, Duque, Pinho, Coelho, & Vale, 2017; Noronha-Sousa, 2015). A este respeito, urge desconstruir a perspetiva errónea, mas ainda prevalente entre estudantes e profissionais, de que prática e literatura são elementos independentes. Na verdade, apenas com sinergias entre prácticum e investigação, se conseguirão avanços rumo à qualidade educativa (Day, 2001) e à “construção do professor investigador, reflexivo e principal agente de transformação da sua prática” (Craveiro, 2016, p. 36). Deste modo, apesar dos desafios que a formação de professores(as) ainda enfrenta, têm-se testemunhado avanços no sentido de articular o prácticum com a investigação. Por exemplo, em Portugal, os planos de estudo dos cursos superiores profissionalizantes para atribuição do grau de mestre em diversas áreas da educação/ensino incluem unidades curriculares de investigação educacional e a prática de ensino supervisionada surge em sinergia com atos investigativos (Craveiro, 2016; Decreto-Lei n.º 65/2018). Similarmente, outros países europeus, como Itália e Suécia, têm estimulado os(as) estudantes a desenvolver projetos de investigação contextualizados nas suas experiências de prática de ensino supervisionada (e.g., Arreman & Erixon, 2017; Guerra & Zuccoli, 2013). Estes avanços nos planos formativos têm, pois, procurado contribuir para potenciar a reflexividade docente e o seu papel ativo no planeamento, implementação, avaliação, melhoria e inovação das práticas educativas (Abeledo, Alonso, & Carril, 2017). Assim, testemunham-se esforços rumo a uma efetiva apropriação da finalidade aplicada da investigação e da prática empiricamente sustentada (Haro et al., 2016), embora haja ainda caminho a percorrer.

As experiências de prácticum na formação inicial de docentes enquadram-se nestas ideologias e reptos socioeducativos. O prácticum pode ser concebido como um conjunto de experiências favorecedoras da aprendizagem sobre e no contexto real de trabalho, com simultaneidade entre teoria, investigação e prática, acompanhadas por profissionais mais experientes (Guzmán, 2017). Enceta oportunidades de aprendizagem experiencial, que integram o contacto com experiências concretas, a observação participante, a reflexão, a problematização de situações reais de trabalho e a experimentação (Kolb, 1984). Integrado na sociedade contemporânea, o prácticum implica também o aprimorar e o aplicar de competências interculturais e tecnológicas, atendendo à premência da internacionalização, da multiculturalidade, da globalização e da era digital (Vélez & Giner, 2015).

Enquanto alvo de atenção interdisciplinar e tema-chave ao nível das organizações e do desenvolvimento de carreira, o prácticum tem-se revelado importante não só para os(as) estudantes, mas também para as instituições de ensino superior e para as entidades laborais (Vélez & Giner, 2015). As instituições de ensino superior e as entidades laborais beneficiam da disseminação de boas-práticas e de parcerias entre a academia e a comunidade (Vélez & Giner, 2015). Para os(as) estudantes, a investigação demonstra efeitos positivos a curto-prazo do prácticum no rendimento académico, nas competências comunicacionais e na minimização de desigualdades sociais nos processos de aprendizagem experiencial (Binder, Baguley, Crook, & Millrer, 2015; Vélez & Giner, 2015). Existe ainda evidência quanto ao impacto positivo do prácticum na exploração de si em contexto de trabalho, na reavaliação/reconstrução de interesses, competências percebidas e valores, o que, por sua vez, sustenta o desenvolvimento da identidade (e.g., Gamboa, Paixão, & Jesus, 2013). O prácticum, quando assegurada a sua qualidade, acarreta também benefícios às competências de procura de emprego e à adaptabilidade de carreira (Pan et al., 2018; Silva & Gamboa, 2014). Nesse âmbito, têm sido identificados fatores de satisfação, qualidade e utilidade percebida do prácticum por parte dos(as) estudantes, entre os quais: (a) a realização de tarefas diversificadas, desafiantes e significativas; (b) a potenciação da autonomia; (c) a abertura a novas ideias e à proatividade; (d) a qualidade e a natureza sistemática da supervisão; (e) o feedback construtivo; e (f) a construção de uma rede de suporte (e.g., Gamboa, Paixão, Lemos, & Paixão, 2016; Vélez & Giner, 2015).

Em conformidade com a conceptualização e a investigação transdisciplinar do prácticum, a literatura especializada em educação de infância tem reconhecido que este contribui para a formação profissional e para a reconstrução de projetos de vida dos(as) futuros(as) docentes (Zabalza, 2004). Também designados(as) como professores(as) neófitos(as) (Caires, 2006), os(as) estudantes em prácticum necessitam usufruir de oportunidades combinadas de experimentação e reflexão, favorecedoras de avanços nos processos de autoconstrução enquanto docentes e de desenvolvimento da identidade (Caires & Almeida, 2003; Nóvoa, 1992). A investigação sugere que o prácticum é central para o desenvolvimento de competências genéricas/hard skills e de competências específicas/soft skills, ou seja, as competências “intra e interpessoais, e as de natureza pedagógico-didática” (Caires, 2006, p. 95). Nomeadamente, existe evidência de que o prácticum em educação de infância tem repercussões positivas na confiança para o exercício profissional, na resolução de problemas, na consciencialização dos desafios inerentes às solicitações contextuais e à gestão de grupos, assim como no reconhecimento da importância da investigação na prática profissional (Arreman & Erixon, 2017; Suchodoletz, Jamil, Larsen, & Hamre, 2018).

Apesar desta linha de pesquisa necessitar ainda de aprofundamento, a literatura parece reforçar os esforços das instituições de ensino superior em articular o prácticum com competências investigativas na formação de docentes. Rumo a esta missão, reconhece-se que o acompanhamento do prácticum em educação de infância deve ser pautado por uma supervisão humanista, potenciadora do pensamento crítico, da ética profissional, da agência e do desenvolvimento holístico dos(as) formandos(as) (Dayan, 2008; Noronha-Sousa, 2015). Deve ainda incidir na relação triádica teoria-investigação-prática e estimular a curiosidade, o questionamento, a indagação, a investigação participativa e a reflexão crítica sobre as práticas (Guerra & Zuccoli, 2013; Sempowicz & Hudson, 2012). Importa também valorizar o trabalho em equipa e o trabalho colaborativo, concebendo-os como vias para a estruturação de comunidades aprendentes, que sustentam a reflexividade partilhada, a co-construção de conhecimentos técnico-científicos e práticos, a inovação pedagógica, as redes de relações, a mobilização do potencial da heterogeneidade, e a adaptação de organizações educativas à mudança (Guerra & Zuccoli, 2013; Leitão & Martins, 1998; Noronha-Sousa, 2017). Procura-se, pois, que o prácticum em educação de infância constitua uma oportunidade única para reconstruir sentidos acerca de experiências de vida e carreira prévias, favorecendo a integração “entre o saber académico, o saber prático e o saber transversal” (Noronha-Sousa, 2015, p. 112).

 

PRESENTE E REPTO DO FUTURO DA PRAXIS DOCENTE

A educação dos nossos dias tem necessariamente de ter em conta as condições da infância, saindo dos moldes educativos tradicionais e adultocentrados. Tendo em conta que, em cada idade, somos diferentes, fixamos os padrões de comportamento tanto por referência à ordem social do(a) adulto(a), como às crianças (2004). Segundo a Convenção dos Direitos da Criança, dever-se-á assumir, desde cedo, uma visão triangulada escola-família-criança, tal como preconizado no manifesto epistolado por Malaguzzi (1998). Esta visão, defensora dos Direitos da Criança, assume a competência da criança como a base de atenção educacional, contrariando, assim, a tendência de não dar às crianças o direito a voz própria e de procurar que representem papéis ou adotem comportamentos, que apenas correspondem às expectativas dos(as) adultos(as). São necessárias práticas que efetivamente reconheçam que as crianças são competentes, quer nas questões relacionadas com a sua vida e na transmissão das suas próprias experiências e expectativas, quer nas suas múltiplas linguagens, expressando opiniões e vivências, construindo significados e sentidos à existência, enquanto agentes ativos que influenciam o mundo (Clarke & Moss, 2001). Com base nessa visão da criança enquanto pessoa em desenvolvimento, subentende-se o desvio a uma visão escolarizante e tradicional, mas mais respeitadora dos valores humanos, em que o(a) adulto(a) respeita a infância, os seus ritmos e níveis maturacionais, a sua unicidade e idiossincrasias, assim como os seus períodos sensíveis, tal como como há mais de cem anos defendia Maria Montessori. A criança de hoje, Homem do amanhã, apresenta-se, desde muito cedo, com competências estruturantes de Homem de futuro, enquanto pessoa capaz de edificar pensamento divergente e de transformar modos e modelos de operar. Nesta perspetiva, cabe ao(à) adulto(a), também competente, assumir-se enquanto referência e modelo, potenciar capacidades inatas e promover espaços e tempos de criatividade, já que o seu papel é fundamental para sustentar o desenvolvimento de pessoas que tendam a favorecer a inovação, apresentar-se como diferenciadores e construtores de valor.

 

       DOS SABERES DOCENTES À PROFISSIONALIDADE: UM CONSTRUTO RESULTANTE DE SABERES QUE CONSTROEM O EUPROFISSIONAL

A profissionalidade é uma construção ao longo da formação e da atividade docente. O processo de construção e desenvolvimento da identidade profissional é concebido por Alarcão e Roldão (2008) como um processo de mudança, epistemologicamente fundamentado e empiricamente apoiado, assente numa perspetiva socioconstrutivista e na formação apoiada pela investigação aplicada. Assente neste pressuposto, as autoras problematizam a construção e o desenvolvimento profissional, equacionando as suas bases.De acordo com Alarcão e Roldão (2008), depreende-se que a complexidade de pensamento deverá pautar o conhecimento estruturante dos(as) profissionais de educação. Numa sociedade do conhecimento, torna-se imperativo que se desenhem construtos concebidos na mudança social e educacional, que abracem “criança de hoje, tecnológica; pais, referências educativas; educadores, atualização refletida; escolas, com princípios educativos” (Mateus & Noronha-Sousa, 2016, p. 77). Na formação dos(as) docentes, o desempenho profissional e as práticas pedagógicas devem sustentar-se na confluência dos ecos das várias ciências, diferentes, mas simultaneamente complementares, como a filosofia, a sociologia, a psicologia e as neurociências (Mateus & Noronha-Sousa, 2016).

A necessidade de aportar saberes na construção de uma educação contemporânea baseia-se na filosofia de passar de um conhecimento pronto para um conhecimento em permanente construção, refletido, experimentado, crítico e investigador, contribuindo para práticas pedagógicas refletidas, inovadoras, criativas e em permanente atualização, que adquirem qualidade quando o ato educativo é um ato intencional (Couto, 2005). Por sua vez, a sociologia salienta a Pessoae, por isso, enfatiza as especificidades da criança, enquanto indivíduo singular, competente e um ser de direito e por direito, conquistando, assim, lugares próprios - lugares de infância – onde se desenvolvem práticas que vão ao encontro dos seus interesses e necessidades (Sarmento, Delgado, & Muller, 2006; Tomás, 2011). Por outro lado, a psicologia sugere a existência de estádios normativos de desenvolvimento. No entanto, assumir a norma reporta-se essencialmente a uma componente biológica, que parece não atender a uma componente contextual, sendo atualmente necessário reconhecer o indivíduo enquanto um sistema de vida, com idiossincrasias, diferentes ritmos de aprendizagem, inteligências múltiplas (Gardner, 1995; Ford & Lerner,1992) e necessárias competências emocionais (Goleman, 2000). Contribui-se, assim, para práticas pedagógicas que, mais do que centradas em resultados, privilegiam os contextos e os processos de aprendizagem. Já as neurociências destacam o cérebro como o órgão humano que aprende e pensa, com plasticidade para continuamente se desenvolver, adaptar e aprender, sustentando práticas pedagógicas pautadas pela gestão do currículo pelo(a) próprio(a) professor(a) e pela adequação da sua metodologia de trabalho de acordo com os processos neurológicos subjacentes à aprendizagem da criança (Leuroot & Giedd, 2011; Noronha-Sousa, 2015) e com responsividade a períodos ótimos de aprendizagem e a ritmos maturacionais. 

Releva-se a centralidade das neurociências no processo de evolução de outras áreas de conhecimento e no processo de autoconstrução do indivíduo. As neurociências favorecem uma perspetiva mais integradora sobre “como tomamos decisões, como percecionamos a realidade, quem somos, como são conduzidas as nossas vidas, porque precisamos dos outros e para onde estamos a caminhar enquanto espécie que começa a tomar as suas próprias rédeas” (Eagleman, 2017, p. 8). As neurociências alteram ainda para o papel que as expectativas pessoais assumem na interação com o meio e na (re)construção subjetiva da realidade e do EU.

Segundo Couto (2005), “ao pensar e ao agir como educadores, somos interpelados por expressões e interrogações das diversas linhas onde a educação é mestra para desenhar o rosto do futuro” (p. 8). Os(as) docentes assumem, então, um papel determinante para a consolidação de um modelo ideal de educação, de acordo com o qual se reconhece que as crianças podem aceder a todo o tipo de conhecimento sem a presença de um(a) docente. O papel do(a) professor(a) tem vindo, assim, a adquirir uma permanente e necessária transformação, já que a criança não aprende apenas com os(as) amigos(as), a família e/ou a escola/docente, pois com facilidade, na atualidade, consegue recorrer a meios tecnológicos e a outras formas de escola paralela. Numa perspetiva contemporânea, o papel deste(a) profissional passa sobretudo por orientar e observar o fluxo desses conhecimentos, esclarecer dúvidas, promover a reflexão e o pensamento crítico. Edgar Morin (2002) percebe a classe escolar como uma entidade complexa, que engloba uma variedade de disposições, estratos socioeconómicos, emoções e culturas, concebendo os contextos educativos como locais impregnados de heterogeneidade. Por isso, Morin (2002) considera ser este o espaço perfeito para iniciar uma transformação de paradigmas e, deste modo, modificar a maneira convencional de se pensar os ambientes escolares e de como sob os mesmos atuar. O caminho indicado por Morin é o de compreender o contexto, adquirir o poder de encontrar a conexão com a existência e construir um pensamento integral, que permita ao indivíduo articular o local e o global. Para edificação do futuro da educação, Morin (2002) estabelece sete saberes, indispensáveis na sua perspetiva: (i) ultrapassar cegueiras do conhecimento, (ii) desenvolver conhecimento próprio, (iii) ensinar a condição humana, (iv) potenciar a identidade terrena, (v) ser capaz de enfrentar as incertezas, (vi) ensinar a compreensão, e (vii) respeitar a ética humana.

Ao reconhecer a complexidade do conhecimento e a sua relação com a construção da identidade, depreende-se que os(as) educadores(as)/professores(as) articulam a sua identidade pessoal com a sua identidade profissional, pois continuamente se reconstroem enquanto pessoas e profissionais, a partir da atuação docente (Sousa, 2000). Existe, pois, uma dinâmica mútua entre educador(a) e educando(a), uma vez que ambos se reconstroem nas interações educativas (Mateus, 2012). A educação na contemporaneidade requer, por isso, docentes com um perfil de profissional Social, caracterizado pelo cuidado com e a ajuda ao outro, estimulando o desenvolvimento positivo dos indivíduos (Holland, 1985). Percebe-se, então, que o enfoque está na construção do(a) profissional docente, sendo este alicerçado em diversas esferas, entre as quais, a sua formação.

De acordo com a Teoria da Flexibilidade Cognitiva (TFC; Spiro et al., 1988), a formação de professores(as) pode ser enquadrada num domínio de conhecimento complexo, pois o futuro docente não deve usar de uniformidade ou linearidade na compreensão e/ou apreensão de uma situação ou conceito, tal como defende Brito et al. (2002). De acordo com a referida teoria, durante o prácticum, considera-se que o(a) futuro(a) docente está numa “fase de iniciação”; quando ingressa no mundo do trabalho, passa a estar numa “fase avançada”. Na perspetiva de Jacobson e Spiro (1994), a tónica deixa de incidir nos conceitos e passa a focar-se na aplicação destes às mais diversas situações, em que conceitos e situações se articulam de forma multifacetada (Spiro et al., 1988). A formação docente requer novas perspetivas sobre o processo de aprendizagem, uma vez que se pretende que os(as) alunos(as) adquiram conhecimentos em domínios de saber, os quais, segundo a TFC, são complexos e pouco estruturados, implicando, por isso, aprendizagem e consequente aquisição de saberes docentes. Este tipo de aprendizagem exige análises múltiplas sobre conceitos e contextos, o que, por sua vez, requer, por parte dos(as) futuros(as) docentes e dos(as) atuais docentes, “flexibilidade cognitiva”, enquanto capacidade de adequar o conhecimento ao contexto e, deste modo, agregar múltiplas perspetivas que permitam uma resposta progressivamente mais adaptada a diferentes situações/problemas.

O desenvolvimento de estudos referentes aos saberes da docência marcam a “descoberta” da prática pedagógica do(a) professor(a) nos contextos escolares, como lócus privilegiado da construção e mobilização de saberes profissionais. Simultaneamente, a evolução formativa implica que aos conhecimentos, se ajuntem aquisições de novas competências, como o de professor(a)-investigador(a). Ser professor(a)-investigador(a) é a chave para ultrapassar o desafio de construir professores(as) reflexivos(as) – repto emergente nos anos 80. Esta nova dimensão formativa tem invadido a Europa com «Bolonha» e permite, além de refletir para promover a autoavaliação e para a qualidade educativa, conquistar um(a) professor(a) construtor(a) de novas ideias, conhecimentos e saberes práticos.

Nas últimas décadas, estudos têm contribuído para um entendimento mais profundo da peculiaridade do conhecimento profissional do(a) professor(a) para definir categorias conceituais necessárias à formalização de novos saberes teóricos e para construir uma inovadora abordagem curricular de conhecimentos práticos e metodológicos que objetivam informar e orientar a prática pedagógica dos(as) professores(as). Não se defende que estes saberes sejam suficientes para conduzir, com segurança, a prática do(a) professor(a), já que, tendo como pressuposto a sua natureza contextual, histórica e social, considera-se que a prática profissional não pode ser totalmente guiada por saberes formalizados a priori (Shulman, 2005). Pelo contrário, exige-se uma constante análise das experiências práticas e reflexões teóricas, que permitam proporcionar novos conhecimento da prática e sobre a prática. Neste âmbito, Lee Shulman (2005) é um dos precursores das pesquisas relacionadas com os saberes docentes ou, como se denomina nos Estados Unidos, país de origem do autor, conhecimentos de base (knowledgebase) para o ensino.

       ESCOLA DO FUTURO E PROFESORES(AS) DO FUTURO

Além de uma educação de futuro, precisamos pensar no desenvolvimento de estruturas organizacionais complexas e na adoção de formas de conduta diferentes das dos outros animais. A História comprova que foram muitas as conquistas progressivas do Homem ao longo da evolução da sua espécie. Importa, contudo, esclarecer dois sentidos que se atribuem ao termo evolução, evitando ambiguidades: sentido filogenético e sentido ontogenético. O primeiro estuda a história da evolução humana e o progresso da espécie, nomeadamente destacando-se a constituição dos seres humanos como seres cognitivos, a que se chamou Filogénese. O conceito de evolução é o fulcro da teoria que Charles Darwin expôs em1859 «A origem das espécies». Para o autor, os seres não são todos iguais, apresentando características que os individualizam. A ocorrência e luta pela sobrevivência geram, assim, uma seleção natural nos seres vivos, fenómeno que denominou por «mola impulsionadora da evolução». Já por ontogénese, entende-se o conhecimento como um processo de modificações e adaptações ao meio que ocorrem desde o nascimento. O sentido ontogenético da evolução remete para o desenvolvimento do indivíduo, desde a conceção até ao final da vida. O psicólogo Jean Piaget, enquanto criador da abordagem científica do conhecimento estudou o modo como, em cada indivíduo, se desenvolve a faculdade de raciocinar geneticamente (Psicologia Genética).  Considerou que o raciocínio não está pré-constituído nem é inato. Contudo, o evolucionismo piagetiano é criticado pela carga de positivismo impregnada na sua análise, que torna a formação psicossocial mais difícil do que a diferença. O seu contributo, no entanto, influenciou a avaliação escolar do desenvolvimento das crianças e sustentou uma perspetiva fundamental para a Modernização da Escola: o Construtivismo, que cedo se converteu em socioconstrutivismo por influência das correntes Soviéticas de Vygotsky.

As bases em que se fundamenta a Escola do futuro, e/ou os(as) Professores(as) do futuro, constroem-se precocemente, desde os meandros do processo de construto docente (Figura 1). A escola do futuro e a qualidade educativa são indissociáveis de uma nova geração docente, que perspetive o futuro atendendo às caraterísticas da contemporaneidade, respondendo quer à comunidade científica, quer às culturas globais e de cada criança, respeitando a história como fonte de reserva e transmissora da própria evolução.A qualidade educativa deve pautar as preocupações das políticas educativas, que necessitam assumir a parentalidade positiva e a formação dos(as) educadores(as)/professores(as) como prioridades. São necessárias metacompetências ao(à) educador(a) do século XXI para garantir a qualidade educativa, tais como a adaptabilidade, agilidade e capacidade de integração, flexibilidade, empatia e empenho, responsabilidade, acuidade e potencialidades. Na origem do conhecimento e da educação, vigora um processo dinâmico, no qual o(a) educador(a) contemporâneo(a) reconhece o papel de interações informais nas aprendizagens de diferentes gerações. A construção do futuro educativo deverá ser percebida pelos(as) professores(as) neófitos(as) como uma missão maior, global, mas particular, em que a escola se afigura como janela de oportunidades e mecanismo potenciador de equidade social.

Figura 1. Bases da evolução do construto docente. In Noronha-Sousa, D. (2018).

       PROFISSIONALIDADE DOCENTE: DA “PESSOA” DO(A) EDUCADOR(A) À “ORGANIZAÇÃO” ESCOLAR

A propriedade coletiva surge enquanto superorganização e resulta do conjugar de complexidade individual com esforços coletivos na luta por uma mesma causa. A tomada de decisão resultante da propriedade coletiva constitui o fenómeno a que se designou de “emergência” (Eagleman, 2017, p.175), resultando do trabalho conjunto rumo a algo maior. Assim, a profissionalidade docente resulta de uma construção da pessoa e do seu EU profissional, imbuído de cultura, de sinergias entre estilos organizacionais, de equipas aprendentes e de políticas educativas. O(a) docente, como qualquer ser humano, depende da ação humana e dos sistemas de interação social, que são sistemas coletivos de ação, mais ou menos formalizados.

Os(as) professores(as), como defende Canário (2012), constroem a sua identidade e ação profissionais de acordo com as experiências formativas e vivências nos contextos organizacionais escolares. As dimensões pessoais e coletivas do exercício da profissão docente são indissociáveis. A construção da identidade profissional e a aprendizagem da profissão acrescem a um percurso formativo, uma trajetória profissional, num processo dinâmico e continuado de socialização profissional, que se cruzam numa dimensão biográfica e numa dimensão contextual.

Assim, as políticas da formação de professores(as) precisam ter em conta esta dupla vertente: intervir na formação de professores(as) significa não só intervir nos modos de socialização profissional dos(as) professores(as), como também nos modos de organização da escola, enquanto organização. Está em causa superar um dos pontos críticos que mais tem marcado negativamente as políticas e práticas de formação de professores(as) - uma dupla exterioridade da formação, quer em relação à pessoa do(as) professor(as), quer em relação à organização escolar (Canário, 2005). “A constância da hegemonia de um paradigma de racionalidade técnica nas políticas e nas práticas de formação de professores, leva a construir uma lógica profissional,” (Nóvoa, 1998, p. 169).

        A AÇÃO DOCENTE E A CONSTRUÇÃO DA PROFISSIONALIDADE

A profissão docente implica, além do Homem social, a singularidade de cada ser e de cada situação educativa. A contemporaneidade torna insuficiente a mera aplicação de procedimentos uniformizados e predefinidos, o que remete para a pertinência de encarar cada educador(a) como um(a) analista simbólico – prático(a)-reflexivo(a), investigador(a), produtor(a) de sentido – afastando-se do(a) tradicional e mero(a) executante de práticas comuns, pré-estabelecidas e escolarizantes (Oliveira-Formosinho, 2016).Urge analisar e estudar a construção da profissionalidade e formação em contexto (Oliveira-Formosinho, 1998; Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2001; Oliveira-Formosinho & Kishimoto, 2002), para desenvolver uma visão do mundo que pensa na imagem de pessoa – a imagem de criança e a imagem de adulto(a) profissional. Implica-se uma forma emergente de formação de professores(as), situada numa visão democrática, igualitária equitativa e participativa do mundo. A atualidade requisita práticas educativas respeitadoras de uma epistemologia da complexidade (Morin, 2008), apoiadas numa perspetiva da educação em co-construção (Freire, 2002), numa pedagogia participativa (Noronha-Sousa 2017) e na investigação praxiológica (Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2012).Os(as) educadores(as) do novo milénio exigem apropriar a imagem de criança às expectativas que essa imagem aponta para a conceção de escola, educação, pedagogia em sala, relação entre formação da criança e formação do(a) profissional.

 As situações educativas impõem formações potenciadoras de práticas com carácter indeterminado, promovendo a resolução de problemas inesperados, perante incerteza e urgência (Perrenoud, 1993). A docência do novo milénio não se define pela mera capacidade de executar, pois incorpora necessariamente uma capacidade de refletir criticamente e de assumir uma grande responsabilidade social e moral. Enquanto profissão de relação, a profissão de professor(a) é, por definição, uma profissão ética (Batista 2005), o que supõe um compromisso coletivo da sociedade, que se pretende educadora, com as realizações coletivas da cultura humana, numa perspetiva de democracia, justiça social e igualdade, orientada para os sistemas de educação, para a forma como os estabelecimentos de ensino são geridos e para o relacionamento com os(as) estudantes. O(a) educador não preconiza uma prática transmissora de saberes prévios (Tardif, 2002), não ensina exclusivamente o que sabe, ensina sobretudo aquilo que é, enquanto indivíduo e cidadão. Na sua atividade docente, é necessário permanentemente combinar conhecimentos (conteúdos) com procedimentos de carácter prático, num processo de contextualização que remete para uma dimensão artesanal e “artística” (Canário 2012). Importa superar fenómenos de desprofissionalização dos(as) educadores(as), pois a profissão não pode ser restringida a uma lógica instrumental; apela, pelo contrário, a uma construção de sentidos pela inserção num amplo quadro de valores éticos, culturais e políticos.

METODOLOGÍA

As crenças influenciam a forma como os(as) professores(as) aprendem os processos de profissionalidade e de mudança de práticas, regulando o modo como se usa, guarda e recupera conhecimento (Richardson, 1996; Gess‑Newsome, 2003, citados por Marcelo, 2009). Para apoiar o desenvolvimento profissional dos(as) docentes, é necessário compreender o processo mediante o qual os(as) educadores(as), durante a sua formação inicial, crescem profissionalmente e quais as condições facilitadoras desse crescimento. A participação em atividades de desenvolvimento profissional sustenta mudanças no conhecimento e nas crenças, o que conduz a mudança nas práticas contexto educativo e, consequentemente, a uma mudança nos resultados pedagógicos. No entanto, para Guskey e Sparks (2000, citado por Marcelo, 2009), existe uma mudança de crenças “através da articulação com as práticas que estas iniciativas proporcionem e que permitam a comprovação na prática da utilidade e exequibilidade dessas novas propostas” (p. 16). Isto é, a mudança de crenças não ocorre como consequência direta da participação em atividades de desenvolvimento profissional, mas surge também das experiências práticas, da verificação de resultados e da eficácia do trabalho desenvolvido com crianças em contextos educativos, sustentando um modelo implícito de esquemas promotores de desenvolvimento (Figura 2).

Figura 2. Modelo implícito no desenvolvimento profissional docente. In Marcelo (2009 p. 16).

Apesar destes contributos, é ainda necessário aprofundar a linha de pesquisa sobre o papel do prácticum no desenvolvimento dos(as) professores(as) neófitos(as) (Caires, 2006). Em educação de infância, tal aprofundamento poderá ser operacionalizado em estudos de caso relativos ao prácticum em determinadas instituições de ensino superior e em estudos comparativos, que mobilizem o trabalho colaborativo entre as instituições de ensino superior que ministram cursos de educação de infância (Araújo & Antunes, 2018). Esses eixos de investigação são necessários para apoiar o planeamento e a monitorização do prácticum, assim como para adequar a sua supervisão às necessidades dos(as) estudantes e às exigências sociais de nível local, regional, distrital e nacional.

Este estudo enquadra-se no primeiro eixo de investigação proposto, centrando-se numa instituição de ensino superior, em particular o Instituto de Estudos Superiores de Fafe (IESF). O presente trabalho enquadra-se no Mestrado em Educação Pré-escolar e Ensino do 1.º Ciclo da Escola Superior de Educação do IESF (Registo NCE/14/01956). O Mestrado tem a duração de dois anos, sendo o prácticum em educação pré-escolar realizado no primeiro semestre do 2.º ano, enquanto o segundo semestre desse mesmo ano é destinado ao prácticum no 1.º Ciclo do Ensino Básico.

No que ao prácticum em educação pré-escolar diz respeito, este inclui o total de 500 horas, distribuídas por: 342 horas de contacto com o contexto de prácticum, durante as quais os(as) formandos(as) desenvolvem observação participante, experimentação, investigação, e docência sob acompanhamento de um(a) educador(a) cooperante da entidade laboral; 38 horas de seminário na instituição de ensino superior, dedicadas ao aprofundamento e debate de conteúdos temáticos relevantes à prática profissional e em resposta às necessidades dos(as) formandos(as); e 19 horas de orientação tutorial, as quais podem ser desenvolvidas quer na instituição de ensino superior, quer na entidade laboral, de modo individual ou grupal, mediante as necessidades dos(as) futuros(as) docentes (contudo, privilegia-se a partilha de experiências e a aprendizagem entre pares, de forma a modelar e operacionalizar o trabalho colaborativo).

 O prácticum em educação pré-escolar adota a aprendizagem experiencial em centros educativos como metodologia de ensino. Assume como objetivos: (a) promover práticas docentes inovadoras, reflexivas e contextualizadas em termos sociais, culturais e desenvolvimentais, em prol da qualidade educativa; (b) potenciar a aplicação de competências investigativas, com vista à sustentação científica das práticas docentes, à reflexão crítica e à co-construção de novos saberes práticos; e (c) promover o trabalho em equipa multidisciplinar, ao facilitar o envolvimento parental, reconhecer os contributos de múltiplos agentes educativos e respeitar o papel ativo e a voz da criança.

No âmbito do referido curso e ao salientar a pertinência do prácticum no percurso formativo de futuros(as) docentes, este estudo surge no ano letivo 2018/19 e tem como objetivo conhecer perspetivas de estudantes sobre o prácticum em educação pré-escolar. Participaram sete estudantes, mulheres, com idades entre 22 e 48 anos (Midade = 31.14, DP= 9.58). À data de realização deste estudo, a maioria das estudantes encontrava-se casada (57.1%), estando as restantes solteiras/comprometidas. As estudantes responderam a quatro questões abertas sobre perspetivas e vivências de prácticum (i.e., “Quais os desafios com que lidou durante o prácticum?”, “Durante o prácticum, quais as competências que desenvolveu?”, “Em geral, o que achou do seu prácticum?”, “Para si, qual a importância do prácticum?”).

A recolha de dados decorreu uma semana após a conclusão do prácticum, na instituição de ensino superior. As questões foram apresentadas no formato papel-e-lápis e respondidas individualmente, em contexto sala de aula, sob colaboração de uma estagiária profissional em psicologia, sem conhecimento nem intervenção prévia no prácticum. Garantiu-se a participação voluntária das estudantes e assegurou-se a confidencialidade das informações. Salvaguardaram-se os cuidados éticos de investigação previstos pela Carta de Princípios para uma Ética Profissional da Associação de Profissionais de Educação de Infância, pela American Educational Research Association e pela American Psychological Association. As respostas foram analisadas qualitativamente, com base na análise temática (Braun & Clarke, 2006).

RESULTADOS

Identificaram-se três temas principais: desafios vivenciados no prácticum; aprendizagens decorrentes do prácticum; e utilidade percebida do prácticum. O primeiro tema comporta cinco subtemas: gestão de tempo e papéis; perfecionismo; liderança; trabalho em equipa; e envolvimento das crianças. O segundo tema inclui três subtemas: competências genéricas; autonomia e determinação; e articulação política-literatura-prática. O terceiro tema integra também três subtemas: perspetivação futura; responsabilidade social; e desenvolvimento pessoal e profissional (Figura 3).

Figura 3. Perspetivas de estudantes sobre o prácticum em educação pré-escolar: Temas e subtemas

No que concerne aos desafios vivenciados no prácticum, o perfecionismo, isto é, a ambição em realizar as tarefas corretamente, constituiu um desafio para três estudantes (42.86%) (e.g., “mostrar o meu trabalho e empenho”, Participante 2; “conseguir realizar todas as atividades de forma positiva”, Participante 7). Também três estudantes (42.86%) indicaram ter sentido dificuldades em envolver as crianças nas atividades (e.g., “adequar estratégias para cativar o interesse das crianças”, Participante 6; “atrair a atenção das crianças”, Participante 7). Duas estudantes (28.57%) referiram a dificuldade em gerir o tempo (e.g., “falta de tempo para concluir todas as tarefas”, Participante 1) e os papéis de vida (e.g., “gerir o tempo de trabalho, de família e de estágio”, Participante 3). Duas (28.57%) apontaram ainda o trabalho em equipa como desafio no prácticum (e.g., “conhecer bem toda a comunidade educativa e interagir com todos os intervenientes”, Participante 5). Uma estudante (14.29%) reconheceu a liderança como principal desafio (e.g., “Liderar uma sala de atividades”, Participante 4).

Quanto às aprendizagens decorrentes do prácticum, quatro estudantes (57.14%) consideraram ter aprendido a articular a política com a literatura e a prática profissional em educação de infância (e.g., “tomei consciência da aplicabilidade da teoria na prática”, Participante 1; “conseguir relacionar as orientações curriculares para a educação pré-escolar com a prática e interligar a minha prática com a teoria”, Participante 5). Três (42.86%) salientaram que adquiriram e/ou melhoraram competências genéricas (e.g., “capacidade de lidar com a ansiedade”, Participante 2; “resiliência, proatividade”, Participante 6). Duas estudantes (28.57%) reconheceram ainda que melhoraram a sua autonomia e determinação (e.g., “firmeza nas decisões e escolhas, determinação nas atividades e confiança”, Participante 3).

Ao nível da utilidade percebida do prácticum, a maioria (85.71%) percebeu-o como útil. Contudo, uma estudante (14.29%) considerou o estágio pouco útil, “frustrante, dececionante”, devido a ser “rotineiro” e à “falta de oportunidades para aprender” (Participante 2). Das restantes estudantes, três (42.86%) consideraram o prácticum útil para o desenvolvimento pessoal e profissional (e.g., “completou-me como pessoa e como profissional”, Participante 3; “contribuiu para um crescimento ao nível pessoal e profissional”, Participante 4). Três estudantes conceberam o prácticum como pilar da sua perspetivação futura enquanto docentes (e.g., “enriquecedor para a prática futura”, Participante 1; “proporcionou-me muita experiência”, Participante 5). Duas (28.57%) atribuíram ainda utilidade ao prácticum para o desenvolvimento da responsabilidade social na profissão docente (e.g., “o quanto posso fazer para melhorar as atividades e a estabilidade física, social e emocional das crianças”, Participante 3).

CONCLUSIONES

O presente trabalho derivou das necessidades em aprofundar conhecimento sobre o papel do prácticum no desenvolvimento de professores(as) neófitos(as) (Caires, 2006) e em investigar/avaliar para melhorar as oportunidades e o acompanhamento do prácticum (Araújo & Antunes, 2018). Este estudo procurou conhecer perspetivas de estudantes sobre o prácticum em educação pré-escolar realizado no ano letivo 2018/19, ao abrigo do Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1.º Ciclo da Escola Superior de Educação do IESF. Os resultados suportam a natureza experiencial do prácticum (Kolb, 1984; Vélez & Giner, 2015), atendendo à multiplicidade de perspetivas e vivências reportadas pelas estudantes.

A importância que as participantes atribuíram ao prácticum para o seu desenvolvimento pessoal e profissional, a aquisição de competências genéricas/soft skills e a perspetivação futura é também coerente com literatura que defende a centralidade do prácticum para o desenvolvimento de carreira e para a construção da identidade (Caires & Almeida, 2003; Gamboa et al., 2013; Nóvoa, 1992; Zabalza, 2004). Os resultados deste estudo parecem reforçar esforços institucionais em operacionalizar uma formação e supervisão humanista no prácticum em educação de infância, tal como tem já vindo a ser proposto pela literatura (Caires, 2006; Dayan, 2008; Sempowicz & Hudson, 2012). Justifica-se continuar a apostar num acompanhamento humanista de professores(as) neófitos(as) (Caires, 2006), ao respeitar a pessoa de cada estudante, apoiar a atribuição de sentido ao prácticum enquanto componente de um projeto de vida mais amplo, valorizar mudanças intraindividuais desencadeadas pelo prácticum, assim como potenciar a reflexão e o desenvolvimento de competências implicadas na profissionalidade docente (Abeledo et al., 2017; Craveiro, 2016; Noronha-Sousa, 2015; Noronha-Sousa & Mateus, 2017; Sarmento, 2016).

Entre essas competências, os resultados parecem, todavia, sugerir que o trabalho em equipa e a adequação de práticas pedagógicas à infância e à criança acarretam desafios ao seu desenvolvimento e apropriação. Por um lado, ainda que as estudantes tenham reconhecido a importância do trabalho em equipa nos percursos educativos das crianças, identificaram desafios no estabelecimento de dinâmicas relacionais profícuas entre agentes educativos. Por outro lado, apesar de as respostas das estudantes terem remetido para a importância de responder às necessidades das crianças, parecem subsistir dificuldades em diferenciar práticas pedagógicas responsivas ao grupo da infância, de práticas pedagógicas responsivas à criança. Por conseguinte, estes resultados alertam para a necessidade de atender aos desafios experienciados pelos(as) estudantes ao longo do prácticum, nomeadamente no que respeita ao trabalho em equipa e à seleção/adequação de estratégias pedagógicas.

O apoio aos(as) estudantes na superação desses desafios pode repercutir-se não só na supervisão do prácticum, mas também ao longo do percurso formativo. Por exemplo, no prácticum, podem considerar-se: momentos de observação participante de reuniões em equipa multidisciplinar e/ou entre educadores(as) de infância e encarregados(as) de educação; e avaliações periódicas que favoreçam a análise/investigação de mudanças no grupo de crianças e em cada criança. Já no percurso formativo, podem valorizar-se projetos integrados que requeiram trabalho colaborativo entre estudantes, agentes da instituição de ensino superior e da comunidade; e momentos de contacto com alumni e/ou educadores(as) de infância, favorecendo, via observação e entrevista, a familiarização com funções profissionais e formas de adequação de práticas à infância e à criança. Assim, através da estruturação de um percurso colaborativo, coerente e sistemático desde a formação inicial até o prácticum, poder-se-ão reunir condições para melhor ajudar os(as) estudantes a gerir e responder a desafios socioprofissionais, a mobilizar técnicas investigativas ao serviço da prática e do desenvolvimento profissional, e a persistir rumo a efetivas comunidades aprendentes (Guerra & Zuccoli, 2013; Noronha-Sousa, 2017).

Estudos futuros poderão cruzar as perspetivas de estudantes sobre o prácticum com as perspetivas de educadores(as) cooperantes, supervisores(as), encarregados(as) de educação e crianças. Assim, alcançar-se-ia uma análise mais compreensiva e sistémica do prácticum em educação pré-escolar, dando voz aos seus múltiplos intervenientes (Vélez & Giner, 2015). Trabalhos posteriores poderiam ainda identificar expectativas iniciais dos(as) estudantes para o prácticum e confrontá-las com as suas apreciações finais sobre o mesmo. Desse modo, seria possível estimular a automonitorização dos(as) estudantes e a sua conscientização dos significados atribuídos às experiências do prácticum. Adicionalmente, estudos longitudinais e sequenciais poderão analisar o impacto do prácticum na profissionalidade docente e no desenvolvimento de carreira entre gerações de estudantes de um mesmo curso superior e/ou em comparação com estudantes de outras instituições de ensino superior. Assim, seria possível obter evidências institucionais sobre o impacto do prácticum e estreitar trabalho colaborativo entre instituições de ensino superior em prol da qualidade, satisfação e utilidade do prácticum em educação de infância.

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